O Vasco é daquelas alminhas que se aparentam ser duronas por fora, mas são manteiga por dentro. Era o poeta da turma e normalmente era ele que escrevia as letras para as músicas dos Paranóia.
O Matos é uma personagem bestial pois é muito auto-suficiente... desde que esteja alguém por trás a ver quando é que ele cai. Para não falar que quando fez 14 anos (como tem uma maluqueira política) uma das prendas de anos foi inscrever-se numa dessas juventudes políticas. E por isso, nada melhor que a Bárbara (que na outra história apenas fazia um cameo) para ir com ele na sua campanha política. A Bárbara é daquelas raparigas que leva toda a gente à frente. E no subtexto, percebe-se que o Matos está apaixonadíssimo pela Bárbara só que ela está sempre a mandá-lo para trás.
É melhor não falar mais. Leiam.
Cena 2
Um jornal rodopia em direcção ao espectador e abre-se mostrando a manchete.
ARDINA (V.O.): Primeiras eleições no F&I desde sempre! Duarte Branco recandidata-se ao cargo de chefia! Sondagens mostram 100% de aprovação por parte do eleitorado. Extra! Extra!
Nesse momento, o jornal é agarrado pelo ardina que começa a distribuir os seus jornais grátis pelos carros, competindo com os outros dois ardinas de jornais grátis diferentes para ver quem é que distribui mais. Hugo, dentro do seu Smart cor-de-rosa abre a janela para receber os jornais, mas os ardinas enfiam-nos tão à pressa que leva com os três jornais na cara, dois nos olhos e um nos dentes, deixando-o inconsciente.
ARDINA: (Gritando pelo cruzamento fora) Notícias chocantes! Não vai crer nos seus olhos!
O semáforo passa a verde e os carros começam a andar. O único que fica parado é o de Hugo, por razões óbvias. Os carros atrás dele apitam para Hugo avançar, acabando por desistir e passar ao lado rogando pragas ao condutor desmaiado.
Cena 3
Hugo, segurando num rolo de papel e ainda esfregando o olho dorido, entra na garagem onde os Paranóia, ex-Punkada e ex-Missa se reúnem. Lá dentro estão Vasco, o baterista e Matos, o vocalista.
VASCO: Olá, Hugo! Porque é que te demoraste tanto?
HUGO: Foram as notícias.
MATOS: Encheram-te o olho?
HUGO: Ahah! Muito engraçado... Ou é impressão minha ou há algo de diferente aqui?
VASCO: Talvez por o Fonfom se ter ido embora? Ele agora deu em menino fino e vai passear para Paris, para Esmirna, e deixa-nos cá, a lidar com as consequências.
HUGO: Mas isso é natural. Ouve, o Kurt Cobain não deixou os Nirvana quando arranjou um bilhete para o Paraíso?
MATOS: Sim, daquele tipo de Paraíso Celeste.
HUGO: Coitado, fez uma bad trip... Mas quer dizer, nós aguentamo-nos. Ele era só o baixista, eu também sei tocar baixo! Os NOFX tiveram montes de elementos! Sobrevivemos quando a Natacha nos deixou para se dedicar à caridade a tempo inteiro!
MATOS: Pois sim, sofremos uma quebra de 70% nas vendas, só para ela ir fazer greves em laranjais!
HUGO: Olhem, não estamos aqui para falar de tristezas, olhem. Acabo de vir da fotocopiadora, olhem como ficou o nosso poster.
Hugo pega no rolo de papel e desdobra-o à frente dos outros. Vêem-se Fonfom, Vasco, Hugo e Matos em poses verdadeiramente espectaculares com os instrumentos que tocam, num fundo roxo e amarelo. Por cima das cabeças deles está escrito:
Paranöia
VASCO: Paranöia?
HUGO: Claro! Com um trema, tudo fica mais fixe. Os Blue Öyster Cult também usam um! E os Motörhead também!
MATOS: Isso não faz sentido. Com o trema, o nome da banda fica “Paranâia”. Parecemos um bando de atrasados da Madeira.
HUGO: Mas qual é o mal de ter o trema?!
MATOS: Nenhum, visto eu ir sair da banda.
Cai um silêncio incrédulo e algo incomodativo na sala. Um grilo canta algures na sala. Matos agarra numa lata de Raid e, rapidamente, pulverisa um dos braços do sofá em que está sentado. Ouve-se uma tosse muito pequenina e fininha e depois fica tudo em silêncio.
VASCO: OK, tu estás a gozar...
MATOS: Não, não... Foi muito bom o tempo que passei convosco, mas tenho outros projectos pela frente.
VASCO: O quê? Não me digas que vais fazer uma carreira a solo!
MATOS: Mais ou menos... Vai ser a solo, mas não é na música. É na política. Hugo, tu deves ter visto as notícias...
HUGO: (Que parece estar a desenvolver um olho negro.) Ai que piada! Vê lá se não te cai um dentinho...
MATOS: Abriram as eleições para a F&I. E eu vou concorrer!
HUGO: Mas como? Só existe um partido no Parlamento.
MATOS: Como independente. Não tarda nada, a minha directora de campanha vai chegar...
Nesse momento Bárbara Barbosa abre a porta e entra na sala, também segurando num rolo de papel, preso com um elástico. Provavelmente é outro poster.
MATOS: Falai no mau!... Bárbara! Estávamos mesmo agora a perguntarmo-nos sobre o teu paradeiro.
BÁRBARA: Por acaso eu estive dois minutos por detrás da porta, à espera que falassem em mim. Só pela piada.
MATOS: Ah... (Vira-se para os outros) Já devem ter apercebido que ela é...
BÁRBARA: Sim, sim. Já toda a gente percebeu. Ninguém é assim tão tapado como tu.
MATOS: (Disfarçando) Ah! Esta Bárbara, sempre com piadas giras... Eu gosto muito dela.
BÁRBARA: O mesmo não se pode dizer de ti. Ai! Chega-te para lá, minorca!
MATOS: Eu sou alto! Já tenho um metro e sessenta!
BÁRBARA: Ena pá! Tanto?... Olha Matos, vai procurar os teus seis amigos à mina e depois vão para casa em fila indiana e a cantar, pode ser, hum?...
MATOS: Agora a sério, tens aí o meu poster?
BÁRBARA: Está aqui.
Bárbara retira o elástico que prende o papel e revela o poster de Matos, muito ao estilo Obama, só que em verde e a dizer "Esperança".
MATOS: O quê? Verde?!
BÁRBARA: Não, a “Esperança” é de que cor? Castanha, queres ver?
MATOS: Mas verde é a cor dos lagartos... Daqueles que têm um estádio que parece uma casa de banho!
BÁRBARA: Ah sim. Vamos lá fazer um poster todo vermelho, para condizer com o Benfica e o Comunismo.
MATOS: O quê? Comunista?! Nunca!!! Vermelho?! Que cor horrível! Tens razão, verde fica melhor. Aliás, a primeira medida que vou tomar assim que chegar à F&I é mudar o Benfica para verde e o Sporting para vermelho.
VASCO: (Grita) Calem-se vocês os dois! Agora quem fala sou eu!
Bárbara e Matos ficam a olhar para Vasco, parados.
VASCO: (Grita) Matos! Tu não vais a lado nenhum! Tu vais continuar com a banda e não sais! Se tu saíres a banda nunca mais se vai reerguer. Os Paranóia nunca mais vão poder voltar a tocar.
Matos parece pensar por um bocadinho.
MATOS: Agora a sério, lamento imenso, mas tenho peixes maiores a apanhar. (Para Bárbara) Vamos?
BÁRBARA: Vamos, à minha frente, temos muito que fazer.
Bárbara, empurrando Matos à sua frente sai da sala, deixando Vasco e Hugo, abandonados. Hugo ainda segura no poster da recentemente dissolvida banda. Vasco levanta-se e prepara-se para se ir embora.
HUGO: Também tu?
VASCO: É escusado. Lutei tanto por isto... Tanto...
HUGO: Que se lixem eles os dois! Nós podemos fazer uma banda, tu e eu!
Vasco vira-se para os instrumentos abandonados e estende os braços como se os fosse abraçar.
VASCO: (Canta) I was a fool to believe...
HUGO: (Sem paciência) Oh, meu Deus...
VASCO: A fool to believe/It all ends today!/Yes, it all ends…/ Today…
Hugo entretanto, largou o poster e agarrou nas suas coisas.
HUGO: Olha, se tu vais ficar aí, eu tenho trabalho a fazer na F&I, liga-me quando te tiveres decidido.
Vasco cai de joelhos com os braços abertos e continua a cantar como se não fosse nada. Hugo, farto, sai.
VASCO: Gloomy Sunday/With shadows I spend it all/My heart and I/Have decided to end it all…
Não percam o próximo capítulo: Capítulo 3 - Chá e Cruzes
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