Diana foi uma ex-delegada da nossa turma e é, tal como as suas duas amigas uma típica tia da Avenida dos EUA. É uma personagem praticamente nova.
A Doroteia é uma das maiores personagens da outra história. Toda a gente que vem planear homicídios vai à
Doroteia's Tea House (o nome dela é outro, mas não resisti a fazer a piada) para os delinear. Porque é que vão lá? Porque ninguém suspeita que se planeiem homicídios numa casa de chá. Tal como a Miss Marple prova, isto é uma falácia. Em proporções gigantes.
Os
hitmen de Branco, acabam por explodir com a casa de chá dela quando tentam escapar de Fernando Sanches, o senhor do mal que foi lá comer um par de tostas, pois tinha deixado queimar o pequeno almoço.
Quanto ao Tomás, Maria da Alegria e Filó são tudo personagens novas. A Maria da Alegria é a embaixadora do Vaticano que sucedeu à Natacha referida no capítulo anterior. Em Janeiro ficaremos a saber mais dela.
A Filó era uma professora hedionda que nós tivemos e era obcecada com burocracia e chorava de comoção quando os meninos queques apresentavam os seus trabalhos. É tudo o que têm para saber.
Cena 4Um jornal que diz: “ELEIÇÕES NA F&I” dobra-se para mostrar a cara de Alice. Alice está com as amigas, Lili e Joana Roza numa casa de chá. Mas... ‘Pera aí... Esta não é?... Pois é! É mesmo o Doroteia’s Tea House, totalmente remodelado desde a grande explosão que houve quando Prata espirrou.
JOANA: Sinceramente, que falta de chá. Aparecer com aquele vestido horroroso. E aquela banana. Nem quero pensar nisso.
LILI: Ainda por cima numa cerimónia daquelas! Há que manter o nível! Ela parecia um palhaço!
ALICE: Meninas... Acabei de ter uma ideia estupenda.
JOANA: Conte-nos lá, miga.
ALICE: Aquele possidónio do Manecas ‘tá parvo de todo. Então não é que vai fazer eleições?
LILI: Não posso!
ALICE: Juro... E então o que é que eu pensei? Podia-me candidatar eu. Imaginem nos outdoors: “Alice a Presidente!” Que acham?
JOANA: Mas que ideia esplêndida, miga.
ALICE: (Chamando por Doroteia) Dori, pode chegar aqui, querida?
Doroteia aparece, empurrando um
cake-walk.
DOROTEIA: Diga.
ALICE: (Apontando para o chá) Pode dizer-me o que é isto?
DOROTEIA: Chá preto.
ALICE: Não tem por aí nada que dê para celebrar? Champanhe?...
DOROTEIA: Ahn... Não. Mas se quizer posso trazer-lhe scones. Quer?
ALICE: Que fantástico! Traga três.
Cena 5Alice despede-se, toda sorrisos, das amigas que se vão embora. Assim que as duas desaparecem da vista o sorriso de Alice morre, a cara descai e os olhos reviram.
ALICE: (Num tom de voz completamente diferente) Argh! Ainda bem que já se foram embora! Não as suporto! Doroteia, chega cá.
Doroteia aproxima-se e senta-se à frente de Alice.
DOROTEIA: Conta lá.
ALICE: Oh, meu Deus. Estou farta daquelas lontras... Uma com a religião e a outra com as compras, é de endoidecer! Ó... Já estou com cãibras de estar a sorrir!
DOROTEIA: Mas então vais candidatar-te a Presidente da F&I?
ALICE: Claro! Deves estar a achar! Chamem-me parva! Finalmente vou poder pôr este país no sítio. Nunca perdoei o facto do Branco ter deixado de apoiar o clube que tem o MEU nome! Ele vai arrepender-se tanto!...
Cena 6Uma badalada retumba no ar seco e fresco da manhã. O sino, lento e pesado, dá as horas. Pássaros elevam-se no ar. Do interior do Mosteiro de São Vicente de Fora ergue-se, como uma ameaça, um canto gregoriano. Quatro pessoas atravessam um corredor alto, largo, de pedra e azulejo. Á frente, vem Maria da Alegria, seguida por Tomás Caldeira. Estão a ser ladeados por dois padres, cujas batinas adejam à sua volta, como os dois grandes corvos que acompanharam o cadáver de São Vicente. As suas passadas são apressadas, urgentes. Subitamente, os quatro viram à esquerda, para outro interminável corredor. Maria da Alegria vai compenetrada, sempre a olhar em frente, fixos num ponto do infinito. Tomás vai olhando para os lados, tentando compreender o que é que se passa, á medida que as arcadas de pedra se sucedem umas atrás das outras Os dois padres estão impassíveis, como dois guarda-costas profissionais. O som dos seus passos perde-se nos longos corredores do Mosteiro.
TOMÁS: Mas, o que é que se passa, posso saber?
MARIA DA ALEGRIA: Não. Fui apenas convocada para te trazer até aqui. Tudo o que se passar dentro estas paredes, será entre ti e o alto diplomata que veio do Vaticano, precisamente para falar contigo.
TOMÁS: Do Vaticano? Mas quem é? Decerto que saberás alguma coisa, Maria.
MARIA DA ALEGRIA: Como embaixatriz do Vaticano, nada mais te poderei dizer, são assuntos de extrema importância, tanto para nós, como para o Mundo. Já estou a falar demais. As paredes têm ouvidos, e nenhuma parede tem mais ouvidos do que a de uma cúria.
Ao fundo do corredor existe uma porta enorme e pesada de madeira esculpida. A maçaneta está tão polida e tão brilhante que reflecte o sol que entra pela janela à sua direita. Pelo chão, agora coberto por uma passadeira vermelha, estão semeados grandes rectângulos de luz solar. Os quatro param em frente à porta.
MARIA DA ALEGRIA: A partir daqui não te posso acompanhar. Terás de ser tu, e só tu a avançar.
Então, Maria da Alegria mete as duas mãos nos ombros de Tomás e olha profundamente para ele, como se ele fosse o seu filho, prestes a ir para a frente de batalha.
MARIA DA ALEGRIA: Boa sorte. E que Deus te acompanhe.
Maria da Alegria deixa cair as mãos. Tomás olha em volta, inspira fundo e agarra na maçaneta. Ele empurra a porta que se abre e penetra na outra divisão.
Ele fecha a porta atrás de si. Está numa sala enorme. Ao fundo, um retrato gigantesco do Sumo Pontífice cobre a parede de cima a baixo, enchendo a sala com a sua presença austera. Ao fundo da sala, está uma grande secretária de mogno e por detrás dela, num cadeirão de madeira e veludo está sentada uma pequena e sombria figura. Aos ouvidos de Tomás chega um pequeno soluço, como se a pessoa à sua frente estivesse a chorar.
Tomás olha em volta, como que pedindo socorro. Então, toma consciência que não pode voltar a sair nem sequer poderá chamar alguém. Que fazer? Tomás inclina-se ligeiramente para o lado e com um relutante sorriso amarelo, tenta chamar a atenção do enviado do Vaticano.
TOMÁS: Ahm... Desculpe... Por acaso precisa de ajuda?
A pessoa à sua frente levanta a cabeça e Tomás cala-se imediatamente quando se apercebe da identidade do seu interpelador. É Filó.
FILÓ: Não, não é preciso, obrigada. Estava só aqui a ler um relatório, tão bonito, tão bem feito.
(Funga) Isto já passa. Sente-se.
Tomás olha para a emissária e só então é que repara numa pequena cadeira discreta colocada à frente de Filó, do lado oposto da massiva secretária. Tomás percorre a sala (o que ainda demora um tempo considerável) e senta-se, ficando cara a cara com Filó. Esta recompõe-se e olha para Tomás.
FILÓ: Muito bem. Vamos tratar do que interessa. Presumo que veja as notícias.
TOMÁS: Sim...
FILÓ: Então, está a par que o presidente da companhia que gere este país, a F&I, vai fazer as suas primeiras eleições desde a sua instituição, há 18 anos.
TOMÁS: Com certeza.
FILÓ: Por muito que nos custe admitir, Duarte Branco não é um homem que esteja do lado da Igreja Católica. Quanto aos outros candidatos...
TOMÁS: Outros? Mas como é que já há outros candidatos que ainda não foram anunciados?
FILÓ: A Igreja Católica tem muitos ramos, e a informação circula rapidamente por eles.
(Mudando de tom.) Um deles só se vai candidatar por vingança, portanto não será, sem dúvida, uma pessoa em quem a Igreja confiará. Um cão raivoso nunca consegue guardar as suas ovelhas. A segunda candidata, já deve ter ouvido falar nela, é a Alice Mesquita d’Orey. Sabemos que é cumpridora dos preceitos religiosos, mas não tem a capacidade de ser um bom apoiante da Igreja Católica. Seria estar a apostar na cavalo errado, não sei se me faço entender. Quanto ao último, é um músico ligeiro... e ateu. Dificilmente Sua Santidade quereria dar apoio a um candidato com tal curriculum...
TOMÁS: E então?
FILÓ: Só nos resta uma opção, concorrermos com o nosso próprio candidato às Presidenciais na F&I. E quem melhor para representar a Santa Igreja que o senhor: Tomás Caldeira.
TOMÁS: Eu, Excelência? Eu não tenho valores para tal tarefa. Com certeza poderá encontrar alguém mais capaz do que eu.
FILÓ: Como quem?, por exemplo...
TOMÁS: A Maria da Alegria. Tem desenvolvido um trabalho espectacular como diplomata e...
FILÓ: (Cortando a palavra) A Maria, como embaixatriz do Vaticano, nunca se poderá candidatar a tal posto. Seria uma tremenda afronta para o Estado português aceitar tal proposta. Parecia que o Vaticano quereria estar a controlar o país.
TOMÁS: (Sorrindo) Mas, não será isso que a Santa Sé quer fazer ao nomear-me candidato?
FILÓ: Sem dúvida. Mas de uma maneira muito mais subtil, terá de o admitir.
TOMÁS: Mas mesmo assim... Tem de haver outra pessoa. A Natacha Machado. Afinal de contas, corre-lhe no sangue...
FILÓ: Acredite. Por muito boa que a Natacha possa ser... enfim... a Cúria Romana quer um candidato com seriedade. Duvido que candidatos que pulem frequentemente e convivam com bonecada fofinha sejam um exemplo de seriedade. Como vê... o senhor é tudo o que temos.
TOMÁS: Muito bem.
FILÓ: E não se esqueça. Esta e muitas das conversas que teremos no futuro, nunca irão existir. Ninguém poderá saber do que foi arranjado dentro destas quatro paredes.
Filó e Tomás levantam-se.
FILÓ: Aceita a sua eleição canónica como candidato à presidência da F&I por parte da Santa Igreja Católica e Apostólica Romana?
TOMÁS: Aceito, em nome do Senhor.
Então Filó, abre os reposteiros da janela mais próxima, enchendo a sala de luz. Depois abre a janela, que dá para a Feira da Ladra e anuncia ao Mundo, com os braços abertos.
FILÓ: Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus candidem!
A feira por debaixo da janela continua na mesma. Ninguém reparou em Filó.
FEIRANTE (O.S.): Velharias! Vendo velharias! Velharias novas e semi-novas!
Filó pára por um momento, comtemplativamente, como alguém que ficou muito orgulhoso do que fez. Depois, desfaz-se a chorar. Tomás aproxima-se de Filó.
TOMÁS: Mas, desculpe. Está mesmo a sentir-se bem?
FILÓ: (Soluçando convulsivamente) Sim. Estes momentos enchem-me de alegria. E pensar que te conheci em pequenino... Sempre soube que ias chegar longe.
Então a cara de Filó contorse-se toda antes de voltar a começar a chorar como uma Madalena arrependida, enquanto se recolhe de novo para a sala.
FILÓ: Tão crescido que ele está...
(Mais choro) Isto já passa. Alguém tem um lenço de papel?...