domingo, 29 de março de 2009

No Mundo de Anúbis

Já estou para falar nisto há algum tempo, mas a oportunidade nunca surgiu. Eu venho falar do quê? Do cruzamento da BD Maus com um film-noir. Chama-se Blacksad e é obra de dois espanhóis: Díaz Canales e Juanjo Garnido (que já trabalhou para a Disney como animador. O leopardo Sabor de Tarzan é obra dele.)
Imaginem-se enfiados numa Nova Iorque dos anos 50 em que todas as pessoas são um animal diferente, em que se cruzam com lagartos, ratos, leopardos, sapos, corujas, gorilas, focas e coisas no género, mas todas antropomorficas, à-là deuses egípcios. É esse o cenário.
É aí que nós encontramos o protagonista: John Blacksad, um gato negro detective que nos transporta por três volumes de investigações policiais com muitas mulheres misteriosas, empresários corruptos e um inspector (um pastor-alemão, como não podia deixar de ser) idealista. Confesso que ainda não li o terceiro, Alma Vermelha, mas que já passei os meus olhos pelos outros dois. E cá vai o que penso deles:

Algures entre as Sombras - O nosso Blacksad começa com o pé esquerdo. Um policial hiper-banalíssimo, uma história de vingança às avessas, com uma ilustração até um pouco banal que vai melhorando ao longo da história. Vale a pena comparar a última página à primeira, para ver como Guarnido foi evoluindo enquanto compreendia a BD.
Alguém matou a antiga namorada de Blacksad, uma estrela de cinema da altura. E Blacksad começa a investigar a sua morte partindo à descoberta do último amante dela que também desapareceu em circunstâncias misteriosas. E, enquanto a polícia recebe ordens de cima para parar a investigação, o rasto de sangue leva-o ao homem mais rico da cidade: Ivo Statoc.
Não tem, decerto um começo brilhante. Em vez de nos convencer a ir com a história, amarranos uma corda e arrasta-nos pelo pó. Ponto positivo: a única personagem que renova o ar da história é o Inspector Smirnov (o acima mencionado pastor-alemão) que consegue trazer algo de novo à história. A narrativa, feita à maneira dos policiais de cordel, faz lembrar um Sin City falhado. E o fim é do mais previsível que há. Dou-lhe um 4.

Arctic Nation - AH! Esqueçam então o primeiro volume. Ainda há problemas. Se há. A história ainda tem aquela sensação de "lista de compras" que abundava no primeiro. Mas esta história sai um pouco dos padrões que pareciam ter sido estabelecidos pelo primeiro. Está lá o film-noir. Estão lá os corruptos, também estão, mas o foco da história é outro.
Desta vez, Blacksad, aliando-se à doninha Weekly, o repórter do 24 Horas da cidade, está no encalço de uma rapariga de 5 anos raptada num bairro problemático onde há uma grande luta entre os membros brancos e negros (sim, exactamente, "brancos" e "negros") da comunidade. Do lado dos negros, temos os Black Claws, um gang que é acusado pela polícia de ter raptado a rapariga, liderado por um cavalo negro. Do lado dos brancos temos os membros influentes da sociedade como o presidente da câmara Oldsmill, um tigre branco e o inspector Karup, um urso-polar que é visto como um modelo do cidadão perfeito. Karup, visto a rapariga em causa ser negra, não investiga, e a mãe da rapariga não faz nada porque não acredita na justiça branca. E ainda há Huk, um raposo-das-neves porta-voz da sociedade Arctic Nation, uma mistura entre o Ku-Klux-Klan e os Nazis.
O ritmo é mais acelerado e o desenho de Guarnido torna-se mais consistente. Maior parte das novas personagens (seguindo o exemplo de Smirnov) ganha uma estranha realidade. As personagens agora parecem-se com pessoas. Vemos a cara esperta de Weekly e não é possível deixar de imaginar um ruivo baixinho e eléctrico. Uma maior expressividade, aliadas a personagens menos planas, acaba por humanizar os animais.
Uma contradição é o facto de ser uma história menos escura, tratando de problemas bem mais graves do que o primeiro tomo da série. O que, misteriosamente, acaba por resultar. E o clímax acaba por arredondar os bicos da história, acabando por resultar bastante bem. Díaz Canales e Guarnido evoluiram muito desde o primeiro volume, o que nos deixa, agora, com esperanças por um melhor futuro para o gato detective. Dou-lhe um .

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